Os vampiros que se mordam

[The Madame X]

Os vampiros que se mordam

Por: Jorge Luiz Calife
Publicado em ESPAÇO ABERTO 31/10/2010, às 10h54
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Hoje é dia de eleição, dia das Bruxas e neste ano de 2010, os livros e filmes sobre vampiros são o sucesso do momento. Sucesso que já começa a dar sinais de esgotamento e ser satirizado em filmes, como o besteirol "Os Vampiros que se Mordam". Estamos no futuro, no século 21, mas no Brasil e em boa parte do mundo, o que faz sucesso são as bruxas, os vampiros, os lobisomens e outros terrores medievais. Parece que o homem moderno, cercado de maravilhas tecnológicas como a internet, os telefones celulares, a previsão do tempo por satélite sente saudades de uma época mais simples e da ilusão de que os problemas da vida podem ser resolvidos por uma varinha de condão ou um punhado de palavras mágicas.

Para conquistar o público, o mito dos vampiros foi suavizado, despido de suas características assustadoras. Quando Bran Stoker escreveu seu famoso romance "Drácula", em plena época vitoriana, o vampiro era o nobre, que vivia sugando o sangue do povo. Como esses políticos que lutam para se manter no poder, alimentados das esperanças populares enquanto beneficiam a família e os amigos. Nos filmes da Hammer, na década de 1960, Christopher Lee fazia o vampiro clássico, malvado, assustador que destruía as mulheres que se deixavam levar por sua sedução.

Nos anos 90, no final do século passado, os vampiros começaram a ficar bonitinhos e sedutores. Primeiro teve o Angel, da série "Buffy" com a Sarah Michele Gelar, agora tem o vampiros da trilogia do Crepúsculo, da Stephanie Meyer e dezenas de outros imitadores. A mesma coisa aconteceu com o lobisomem, outro mito que veio da Europa com os colonizadores ingleses da América do Norte e os portugueses no Brasil.

No caso dos vampiros, a lenda surgiu com uma epidemia de raiva, numa época em que não existiam vacinas nem tratamentos. Os morcegos hematófagos mordiam as pessoas nas fazendas e nas cidades mal iluminadas e sem saneamento. À medida que o vírus tomava conta do cérebro e do sistema nervoso, as vítimas passavam a ter fotofobia, a se esconder na escuridão, eram tomadas de acessos de fúria em que tentavam morder outras pessoas e espalhar o vírus e acabavam morrendo ou sendo mortas como vampiros.

Hoje temos vacinas contra a raiva e já houve até casos de pessoas que foram tratadas e conseguiram sobreviver. Como imaginava o doutor Van Helsinbg do clássico de Stoker, a ciência e a razão venceram os vampiros e a superstição. Mas os vampiros, agora bonitinhos e bonzinhos continuam a fascinar um público ainda sintonizado no passado.

O mesmo se pode dizer dos bruxos e dos magos. Eles surgiram da ideia de que o homem poderia controlar a natureza a partir de rituais e do uso de símbolos e artefatos muito simples. Os primeiros alquimistas achavam que poderiam transformar o chumbo em ouro usando processos químicos, dentro de caldeirões fumegantes. Na verdade, a moderna ciência da química nasceu da alquimia, mas embora tenha criado muitas substâncias novas, nunca conseguiu transmutar elementos, algo que envolve a manipulação do núcleo dos átomos e que envolve processos mais complicados do que um simples abracadabra.

Na realidade

Se os alquimistas fracassaram a ciência moderna transmuta elementos rotineiramente dentro do coração escaldante dos reatores nucleares. Todo o processo de geração de energia nas usinas envolve o decaimento de elementos pesados, como o urânio, que vão perdendo neutrons e se transformando em elementos mais simples. Outro tipo de transmutação científica é a transformação do hidrogênio em hélio dentro de estrelas como o Sol. Também é possível fabricar ouro, como sonhavam os alquimistas, mas isso envolve um processo mais violento do que a fusão solar. É preciso explodir uma estrela gigante para criar elementos tão pesados.

Os vampiros, a alquimia e os mitos medievais fazem sucesso, porque vêm de ideias simples, que qualquer um pode entender. Já a ciência, envolve esforço e estudo, seja a Física nuclear, seja a química moderna ou a epidemiologia, todas envolvem esforço, anos de estudo e de dedicação. Mas o futuro está diante de nós, cheio de desafios e não vamos enfrentar esses desafios nos refugiando nas idéias simples do passado.

Halloween é só uma vez no ano e é preciso olhar um pouco para as promessas e os perigos do novo milênio. Porque não vamos enfrentar mudanças climáticas ou impactos cósmicos com palavras mágicas ou encantamentos.

[DeVitriol]